yogaterapia com amor.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Um pouco de visão real...

Essa postagem foi enviada por e-mail pela aluna Jane Petry, carinhosamente, compartilharei com vocês da mesma forma que ela fez:

A complicada arte de ver
Rubem Alves

Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".

Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".
Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão - era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".

Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...

Fernando Pessoa – Poemas de Alberto Caeiro

Num meio-dia de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo

em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espirito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez com que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E porque toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando agente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espirito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
“Se é que ele as criou, do que duvido.” -
“Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.”

E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É a minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?

Alberto Caeiro



2 comentários:

  1. Mistérios antigos e seu efeito...

    Desde o início, os homens passaram a observar que apenas as mulheres geravam novos seres, e isso parecia ser um dom mágico pertencente a elas, uma vez que o ato sexual não estava relacionado à criação.
    Então, a mulher era o centro, pois o futuro da tribo dependia dela.
    A divindade criadora do Universo foi primeiramente reconhecida como a Grande Deusa Mãe.
    Cada mulher era uma representante da Deusa na Terra.
    A linhagem respeitada era a matrilinear, e os bens e ensinamentos eram passados de mãe para filha.
    As primeiras manifestações religiosas ao redor de todo o mundo cultuavam o Sagrado Feminino.
    Isso é comprovado por arqueólogos e historiadores, através das estátuas encontradas que datam do Neolítico e do Paleolítico Superior, como as Vênus de Willendorf e do Nilo.

    O culto ao Deus estava relacionado às caçadas e aos homens, mas ainda sob égide da Deusa, pois Ela era a Senhora das Feras.
    Nessa época surgiu a relação mágica e espiritual entre a caça e o caçador, porque a reprodução e saúde dos animais eram necessárias para alimentar a tribo.

    O homem então teve o seu primeiro culto masculino, ao se ornar com chifres representando o Deus que morre em cada animal que é caçado.
    Quando esses povos primitivos da Europa começaram a guerrear entre si, os homens passavam muitas temporadas fora, foi aí que perceberam que suas mulheres não engravidavam durante a sua ausência.

    Então, percebeu-se que para haver a criação, a união do Feminino com o Masculino tinha de acontecer.

    Os homens tinham, no início, medo do poder criador da mulher. E assim iniciou-se um processo de supervalorização da figura Masculina; para que os homens se sentissem mais fortes, era preciso rebaixar o poder da mulher e da Deusa. Junto à ascensão dos Deuses Masculinos, houve o movimento de substituição gradativa do matriarcado pelo patriarcado.

    A sociedade enquanto matrifocal era mantenedora da paz. Oferecia a todos, homens e mulheres, os mesmos direitos, afinal eram uma grande família, pois todos eram filhos Dela.

    O patriarcado trouxe junto com ele sentimentos e valores que até então eram desconhecidos.
    Os homens no poder passaram a valorizar apenas a figura e a posição masculina, então a noção de importância foi completamente direcionada para a guerra e disputas.

    Apenas os mais fortes e sadios eram respeitados, colocando assim as mulheres, os deficientes e até mesmo os homens idosos em uma posição desfavorável.

    Essa sociedade tornou-se violenta, preguiçosa e gananciosa. Um bom exemplo dessa diferença entre os valores de uma sociedade matriarcal e outra patriarcal são as noções de matrimônio, casamento e criação de seio familiar, e patrimônio, bens em geral ou acúmulo de valores.

    De qualquer maneira, muito falamos sobre as feridas que o patriarcado causou nas mulheres, mas nos esquecemos que os homens também são vítimas das atitudes de seus antepassados.

    Segue...
    --
    Jane Petry

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  2. ...Os homens sofrem com o patriarcado desde o momento de seu nascimento. Pergunte a um pai o sexo do seu filho que acaba de nascer, e se for masculino, na maioria das vezes a resposta recebida é “Meu filho é homem”, quando na realidade não passa de um bebê.

    O contrário não acontece; sendo o sexo feminino, o mais provável de se ouvir é “É uma linda menininha.”.

    Até o direito de ser criança foi negado aos homens por muitas eras.
    Só que as marcas da repressão continuam dentro desses homens por toda a vida, por mais que estejam muito bem escondidas, assombrando-os de vez em quando apenas.

    Vide a quantidade de assassinos, estupradores, psicopatas em geral que hoje temos aos montes em todos os presídios – vale lembrar que a grande maioria dos crimes é cometido por indivíduos do sexo masculino.

    As mulheres como foram colocadas de lado na sociedade, criaram seus próprios costumes e passaram a viver em grupo, em apoio mútuo.

    Os homens não têm esse privilégio, pois são criados para se virarem sozinhos, sem precisar do apoio de ninguém – pedir ajuda inclusive é motivo de vergonha para muitos homens.

    Os homens são criados para serem assim, duros, frios e sem sentimentos. Homens não choram sob hipótese alguma, não demonstram carinho e afeto por ninguém, não sofrem por amor.

    Aliás, homens não amam, transam, e com a maior quantidade de mulheres que for possível.
    Um homem é criado para ser sempre o melhor, e se ele não for o chefe da empresa em que trabalha, será sempre um perdedor. Ganhar menos que a esposa é um insulto à masculinidade.

    Muitos podem pensar que isso é machista e que por isso coloca os homens em situação melhor que a das mulheres, mas não.

    Os homens assim são eternos meninos sofridos, e muitas vezes transformam essa dor e sofrimento em uma máscara de mais machismo e arrogância.

    Vamos olhar mais para dentro de nossas casas, e buscarmos perceber essas limitações nos homens de nossas próprias famílias. Muitas vezes, o que o seu pai ignorante e grosseiro mais deseja é receber um beijo carinhoso e ouvir a doce melodia de um “Eu te amo.”.

    Esses atos simples e afetuosos têm um poder transformador incomensurável.
    e assim criarmos nossos filhos – sejam homens ou mulheres – em uma sociedade mais justa, com valores centrais mais humanos.
    E assim a imagem por tantos anos sustentada do Sagrado Masculino como castrador e tirano pode ser transformada em um Deus carinhoso e protetor, um verdadeiro Pai. O Filho e Consorte da Grande Mãe.
    Jane Petry.

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